O caminho entre Bratislava e Budapeste tem mais ou menos 200 km. Saio de Bratislava um pouco mais tarde do que havia pretendido, mas não tento compensar o atraso e sigo a estrada no meu ritmo normal
Mais uma parada na fronteira para comprar o vignette. Dessa vez não é um adesivo, mas sim um bilhete eletrônico. Registro o carro, pago a taxa e sigo a estrada.
De um país com uma língua difícil eu chego num onde nenhuma palavra fazia sentido. Palavras gigantescas, cheias de vogais com tremas, acentos, dois acentos, quatro consoantes seguidas de seis vogais. Ler em voz baixa é impossível, em voz alta então é pedir para passar vergonha.
Perto de chegar em Budapeste, encosto num posto, envio um SMS para minha amiga Keti, que estava me esperando, avisando que atrasaria, ligo o GPS e coloco o lugar onde deveria ir. Dessa vez o GPS funciona bem e eu não xingo ele como o xingara em Praga.
Chego em Budapeste e tenho que atravessar a cidade inteira. É hora do rush e o trânsito é um pouco chato. Nem se compara ao paulistano, mas trânsito é trânsito e eu não gostei muito de ficar parado. Aproveito para ver a paisagem da cidade. E vou o caminho inteiro de boca aberta.
Budapeste é linda e isso é um fato consumado. Se você conhece alguém que foi até lá e achou a cidade feia, pode ter certeza que falta amor na vida dessa pessoa. Você pode achar caro, a comida ruim, as pessoas feias, o tempo ruim ou o que for, mas a cidade em si é magnânima.
Atravesso a ponte e chego até o lado de Pest. Sigo até o parque Verosliget, onde Judit, a amiga de Keti e onde eu ficaria, me avisou que o estacionamento era gratuito. Sem muitos problemas chego, estaciono o carro, pego as minhas malas enormes e procuro o metrô mais próximo.
Dou uma volta maior que a necessária, mas encontro a tímida plaquinha informando a estação. Não consigo ler o que está escrito, mas a cor era amarela e era essa a linha que eu tinha que pegar. Me senti um analfabeto tendo que pegar o transporte. Não é fácil.
A minha sorte era que a estação que eu tinha que descer era a última, porque se não fosse e eu dependesse de ler o nome da estação ou ouvir o anúncio da estação, eu provavelmente estaria no metrô até agora.
Mais uma vez me perco um pouco para achar o ponto de encontro com Keti, mas chego lá. Keti é uma amiga georgiana que também conhecera em Vilnius. Ela está fazendo seu mestrado em Budapeste e veio ao me encontro. Um abraço longo. Éramos bastante amigos e a distância infelizmente nos deixou um pouco perdidos em como cada um estava com a sua vida.
Ela me leva até o apartamento de Judit, sua amiga. Chegamos, subimos e encontramos ela. Judit é eslovaca, mas seus pais são de origem húngara. Ela é colega de Keti no mestrado e enquanto elas ficaram conversando sobre os estudos, aproveitei para tomar um banho e dar uma animada.
Voltei do banho mais animado e eu e Keti decidimos sair para jantar. Judit estava escrevendo um projeto para outro mestrado que queria fazer e o prazo de entrega era segunda. Ela estava um pouco desesperada quanto à isso. Eu e Keti saímos então.
Vamos até um restaurante georgiano ali próximo. Eu visitei Keti quando fui à Geórgia em 2010 e lá me empanturrei de comida georgiana. Queria matar um pouco a saudades.
O prato não foi dos mais baratos e não era tão gostoso quanto os que eu comi por lá, claro, mas valeu a pena. Voltamos ao apartamento e Keti vai embora para o dormitório, onde mora.
Subo, converso um pouco mais com Judit, mas logo vou dormir. Estava cansado da viagem e principalmente de ficar rodando que num um imbecil a cidade com duas malas enormes a toa.
Durmo o quanto basta, acordo cedo e fico um pouco na internet. Havia combinado de ir almoçar com Keti no refeitório da universidade às 13h. Judit havia saído mais cedo para a aula e eu estava sozinho no apartamento.
Pego a câmera e vou encontra-la. No refeitório conheço alguns amigos de Keti. Dimitro, Oksana e Anastasya são ucranianos, Neida é albanesa. Judit também está lá. Comemos uma comida gostosa e barata e depois eu, Keti e Neida damos uma volta pela cidade.
Vamos até o Parlamento, depois até uma ilha no meio do Danúbio. O tempo está muito bom, pegamos uma cerveja e sentamos. Neida me fala um pouco sobre a Albânia. Digo que vou lá mais para frente e ela promete me ajudar. Depois de muita conversa, voltamos. Keti vai para o dormitório, Neida para seu apartamento e eu para o meu. Combinamos de nos encontrar a noite com outros amigos.
Nos encontramos a noite e conheço Boris, um amigo de Keti bósnio. Dimitro e Oksana se juntam a nós e vamos até um bar onde uma amiga de Keti estava comemorando seu aniversário. Ficamos pouco. Dimitro e Oksana nem sequer entram e vão a outro lugar.
Keti diz que eu tinha que conhecer Hugo, seu amigo brasileiro e que fazia o mestrado junto com ela. Vamos até o novo lugar. Hugo demora em chegar e brinco com o pessoal dizendo que ele é o típico brasileiro atrasado.
Hugo chega e vamos todos para dentro. O lugar era incrível. A festa era dentro de um pátio de um prédio antigo. Dentro de algumas salas haviam outros ambientes com músicas diferentes. Apesar de não ser muito de festas assim, acho o ambiente legal. Converso bastante com Hugo e sobre a vida dele em Budapeste.
Já sabia que Bóris e Dimitro eram gays. Comentei com Hugo que aparentemente éramos os únicos héteros, meio que brincando, e ele me respondeu “Você é o único”. Fiquei extremamente sem graça da minha bola fora e ele disse que tudo bem. Mas me pediu para que não contasse a Keti e os outros. No Brasil ele não tinha nenhum problema com isso, mas por lá ainda não se sentia tanto a vontade para revelar.
Conversamos bastante sobre isso e sobre ser homossexual em Budapeste. Aparentemente a cidade é bem amigável com casais homossexuais. Pelo menos me pareceu mais que São Paulo, que tenta ser a cidade mais gay-friendly, digamos assim, mas que tem uma população ainda muito homofóbica.
Eu e Keti estamos cansados e decidimos ir. Ela dormiria no apartamento também. No caminho peço para pararmos num kebab e depois de tanto tempo mato minha fome com essa iguaria da culinária mundial. Infelizmente era um bem borocochô, mas era o que tinha.
Chegamos ao apartamento e Judit ainda está acordada, estudando. Enquanto ela e Keti conversam, desejo boa noite e durmo. Estava bem cansado.
Sábado acordamos todos tarde. Sem pressa, tomamos café, conversando sobre o lindo dia que fazia lá fora. E então fica decidido que iríamos dar uma volta na cidade, sem compromisso.
O dia estava tão bonito que decido sair ao melhor estilo brasileiro; de chinelo. Meus pés precisavam de ar puro e não havia usado meus chinelos até então. O meu tênis já estava todo malhado e logo vou ter que trocar, então dei um dia de folga a ele.
Saímos e o sol estava bem forte. Vamos até à praça em frente a Basílica. Uma promoção estava acontecendo por lá e uma torre gigantesca de blocos de Lego estava sendo erguida. Muitas crianças se divertindo nos estandes que a marca havia espalhado pela praça e muitos turistas, como eu, sem entender nada.
Logo ao lado da Basílica há uma sorveteria famosa pelos seus sabores exóticos e pela forma como o sorvete é servido, em formato de flor. Elas me levam lá e a fila estava um tanto grande. Mais conversa para matar o tempo de espera e com os sorvetes em mãos, sentamos numa mesa em frente. A conversa parte para o rumo político e começo a gravar minhas amigas discutindo sobre a política em seus países, ambos ex-comunistas. Enquanto estava gravando, Neida passa ao nosso lado e me reconhece. Ela estava com Anastasya, mais uma ucraniana, e elas se juntam a nós. Judit pede licença e vai embora. Ainda tinha muito o que estudar e escrever.
Nós quatro decidimos ir até Buda. No caminho elas encontram Sabrina, uma bósnia, que segue conosco. A caminhada parece que vai ser longa, mas assim que chegamos à ponte que tem a vista para a parte rochosa onde fica a estátua, nenhum de nós pensa em desistir.
A subida não é tão difícil, mas os chinelos começam a deixar aquela deliciosa ferida na parte interior do pé. Mas a cada parada, a vista de Pest ficava mais bonita. Um passo à frente e uma nova paisagem aparece e uma nova foto eu bato. Assim se segue até alcançarmos o topo.
No fim do nosso destino, paramos para uma cerveja. Explico a Sabrina e Anastasya sobre minha viagem e as duas oferecem ajuda em seus países. Tenho uma longa conversa com Sabrina sobre a Bósnia e muitas ideias surgem para quando eu for lá.
Voltamos a Pest andando e, claro, conversando muito. No caminho vejo um Lada azul mais antigo ainda que o meu. Dou um joia ao motorista que me pareceu bem feliz com o cumprimento.
De volta a Pest, Keti segue para o dormitório, Neida, Sabrina e Anastasya para os seus apartamentos e eu para o meu. Minhas panturrilhas doem de tanto andar. Antes de todos partirem ainda insisto em saber se haveria alguma coisa mais a noite, mas todas respondem que mesmo que haja, elas não vão. O cansaço era geral.
Passo num mercado e compro comida e algumas cervejas. Poderia até ficar sozinho no apartamento num sábado a noite, mas não iria assistir a final da Champions League sem uma cerveja.
Judit está no quarto ao lado estudando e como a narração era em húngaro, coloco no mudo e vou assistindo ao jogo enquanto uso a internet e tomo uma cerveja. O resultado estava indo tudo bem até o finalzinho do jogo. E aí foi o que foi. Como se eu me importasse. Desligo a TV, deito e não demoro a dormir.
Já era Domingo e eu não havia encontrado nenhum húngaro para entrevistar. Todos os amigos das pessoas que conheci estavam ocupados ou não queriam ser filmados. Estava começando a ficar preocupado.
Logo de manhã, Ondrej, meu amigo tcheco que me ajudou em Praga, me manda uma mensagem no Facebook comentando que estava em Budapeste com mais uns amigos. Combinamos de nos encontrarmos para o almoço.
Encontro ele e mais alguns outros amigos, um americano, um escocês, uma eslovaca, um austríaco e um húngaro. Todos haviam se conhecido quatro anos antes, em Vilnius. Eles chegaram alguns meses depois que fui embora, então não tínhamos quase nenhum amigo em comum. Almoçamos e saímos para dar uma volta.
Converso com András, o húngaro, sobre a possibilidade de entrevistar ele. Ele diz que é tímido e que não se importa tanto com política. Eu insisto e digo que não há a necessidade de ser envolvido com política para o meu documentário, mas percebo que a questão é a timidez mesmo. Pergunto então se teria como ele conversar com alguns amigos e ver se algum deles poderia falar comigo, ele diz que tentaria e seguimos o passeio.
Vamos seguindo pela cidade até que eles decidem ir justamente até à estátua que havia ido no dia anterior. Digo que já havia ido e combinamos de nos encontrarmos a noite. Sigo o meu caminho para a cidadela de Buda, sozinho.
O tempo começa a fechar, mas antes da chuva descer encontro um Trabant bem interessante estacionado. Uma fresta da janela está aberta, com uma peça plástica colada no vidro e uma mensagem em inglês dizendo algo como “A sua doação será usada para a minha manutenção, obrigado”. Acho engraçado, tiro umas fotos e doo 50 forint, algo em torno de 50 centavos.
Ainda na cidadela, vejo mais dois Ladas, bem mais novos que o meu e ambos vermelhos. E vejo também um Maluch, o Polski Fiat, tão popular na Polônia. E então a chuva vem.
Me abrigo num quiosque qualquer e espero pacientemente a chuva acalmar para seguir caminho. Mais um dia que ando a beça. E na ponte antes de voltar a Pest vejo um Lada branquinho solitário estacionado na rua.
Volto ao apartamento e Judit me relembra que uma amiga húngara dela iria me encontrar logo para uma entrevista. Tomo um banho, como alguma coisa e descanso. Logo ela chega e vamos dar mais uma volta pela cidade.
Sophie não sabia absolutamente de nada sobre mim e a minha viagem. Tudo que Judit havia dito era que tinha um amigo brasileiro em seu apartamento e que precisava de alguém para lhe mostrar a cidade. Sentamos e eu falo sobre a minha viagem. Logo de cara ela corta as minhas asas e diz que não tem como ser entrevistada. Sua idade, apesar de nem de longe aparentar, é 37 anos. Ela se lembra de muita coisa da época do comunismo e eu precisava de pessoas que não tinham quase nenhuma memória dessa época. Tempo perdido? Claro que não. Engatamos uma conversa sobre o passado e presente bem legais, mas que infelizmente não irão para o documentário.
Depois da conversa com Sophie, vou ao encontro de Keti, que está brava me esperando a quase uma hora. Peço um milhão de desculpas e vamos até o apartamento onde Ondrej e os outros estão ficando.
Não ficamos muito por lá e András me dá a infeliz notícia que nenhum amigo respondeu positivamente para uma entrevista. Digo a ele que decidi ficar mais um dia e que não iria mais embora na segunda, mas sim na terça. Ele promete que insistiria um pouco mais. Agradeço.
Nos despedimos de todos e vamos embora para o apartamento. Vou dormir bem triste pensando que estava bem perto de ir embora sem entrevistar sequer um húngaro. Sophie havia me prometido que também tentaria arranjar algum amigo e fui dormir abraçado à essas esperanças.
A segunda amanhece e estou sozinho no apartamento. Keti, Judit e sua irmã, que havia voltado de viagem à Bratislava, já haviam saído. Vou encontrar Keti no refeitório da universidade às 13h para almoçarmos. Até então nenhuma novidade sobre húngaros que queriam ser entrevistados.
Eu e Keti vamos à Basílica que, apesar dela estar lá a quase um ano, nunca havia entrado. Subimos a torre também e aproveito para tirar fotos e fazer uns vídeos da cidade. Ela logo precisa voltar, pois tinha que estudar. Nos despedimos achando que nos veríamos novamente, o que infelizmente não veio a acontecer. Mais uma grande amiga que se vai e não tenho a menor ideia de quando poderei vê-la novamente.
Chego ao apartamento e abro o computador. Antes de sair para almoçar, havia mandado umas mensagens no Couchsurfing para vários húngaros perguntando sobre a possibilidade de serem entrevistados. Um rapaz chamado Domonkos disse que poderia. Entro em contato e fica combinado que iríamos tomar uma cerveja mais tarde e faríamos a entrevista. Fico um pouco mais tranquilo e vou tomar banho e comer. Saio do banho e vejo que ele cancelou a entrevista. Tinha compromisso já, mas havia se esquecido.
Eu pego minha câmera e decido que vou parar as pessoas na rua para entrevistar. Não era muito o que eu queria, mas era isso ou ir embora sem nada.
Vou até a praça Deák Ferenc e começo a me apresentar a alguns grupos de amigos. Os primeiros dizem que têm vergonha de serem filmados. Os segundos dizem que não falam inglês tão bem. Os terceiros usam como desculpa que já estavam indo embora. E assim se sucede por uma hora, até que eu desisto.
Decido fazer um caminho diferente para voltar para, quem sabe, numa última tentativa, encontrar alguém. Vejo um casal sentado num banco, mas levantando para sair. Pergunto a eles se falam inglês e só o rapaz diz que sim. Me apresento e falo sobre o meu projeto e ele acha legal. Diz que gostaria de dar a entrevista, mas que estava com um pouco de pressa. Digo que posso tentar filmar a entrevista enquanto caminhamos e fazemos isso pelos próximos 10 minutos, até que ele tem que ir. Foi uma conversa bem legal, mas infelizmente a gravação não ficou muito boa.
Volto ao apartamento ainda muito decepcionado. Judit me dissera que poderia ser entrevistada e sem dúvidas eu queria entrevistar ela. Apesar de ser eslovaca, tanto seu pai quanto sua mãe são de origens húngaras. Ligo a câmera e a entrevisto por mais de meia hora, até que ela precisa voltar aos estudos.
Decido ficar no computador até ir dormir. Desisto de tentar encontrar alguém. Já eram mais de 21h e eu tinha uma longa estrada pela frente no dia seguinte.
Abro o computador e lá vejo que Miklós, um amigo húngaro que conheci quatro anos atrás, quando vim a Budapeste pela primeira vez, mas que estava morando em Londres, havia me respondido uma mensagem que havia mandado sobre alguém para entrevistar. Sua irmã, Dora, poderia responder e entro em contato com ela. Ela me diz que está próximo do apartamento onde estou e que, apesar de cansada do trabalho, poderia me ajudar. Quase dou um duplo twist carpado de emoção. Aos 47 do segundo tempo finalmente alguém aparecera!
Ela vem me encontrar na entrada do prédio e vamos até um restaurante por perto, só para sentarmos e podermos conversar. Ligo a câmera, pedimos um suco e vamos conversando. Por uma hora eu pude finalmente entrevistar um húngaro – pelo menos nascido na Hungria.
A conversa poderia ter durado horas, tamanha quantidade de perguntas que eu tinha e o fato de não ter tido ninguém para responder. Mas o tempo passa e eu não posso me dar ao luxo de ir dormir muito tarde. O dia seguinte seria o mais longo da viagem. 470 km de Budapeste à Ljubljana. Encerramos a entrevista, agradeço imensamente a ela e seguimos cada um seu caminho.
No apartamento, comento com Judit quão legal foi a entrevista, agradeço a ela por tudo e desejo boa noite. Passo os vídeos para o computador e vou dormir.
Apesar de aliviado, dormi um pouco mal a noite. Algo me dizia que o dia seguinte não seria fácil e acordo muitas vezes durante a noite.
Mas durmo feliz.